sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A culpa é do banheiro!

Eu morei com a minha avó dos 18 meses de vida aos 7 anos de idade. Me lembro que dividia o quintal com uns primos e primas. Sempre fui uma criança muito doente, daquelas catarrentas que tosse o dia inteiro e gosta de ficar escondida nos cantos para não ser notada. Minha avó, por outro lado, sempre me achou "arteira" - como ela mesma costumava me chamar. Arteira foi a palavra que mais ouvi nesse período da minha vida. Isso porque eu odiava roupas. Odiava uniforme da escola. Odiava roupa do balé, da ginástica e "de ir pra igreja". Sempre odiei a ideia de odiar as roupas, mas eu sempre gostei de algodão. Eu viveria no meio de uma plantação de algodão. Tem coisa mais fofa e confortável do que algodão? Eu desconheço.

Cada vez que ela tinha que colocar uma calça de (sinto arrepios só de falar essas palavras) elanca, collant grudento de lycra ou calcinha que não fosse de algodão, era uma corrida pelada no quintal e minha avó com o chinelo atrás. Mas para mim o pior dos castigos era o banheiro. Eu sempre gostei de tomar banho - também tomava chinelada por ficar enrolando horas para sair da bacia improvisada no chão do banheiro, quando os dedos já estavam enrugados -, mas eu odiava aquele lugar, ainda mais quando era para ficar de castigo.

Veja bem, a minha avó sempre foi uma senhora muito, mas muito querida. Porém, quando ficava nervosa, o bicho pegava. O banheiro era muito alto ou eu era muito baixa. A santa da minha avó apagava a luz para castigar de verdade. Eu não alcançava a luz e quanto mais chorava e gritava, mais tempo ficaria lá dentro. Talvez o castigo não durasse nem 5 minutos, mas para mim era uma eternidade. As lembranças que tenho do banheiro são as piores possíveis. É uma mistura de cheiro de coisa úmida abafada com shampoo Juvenal, condicionador Neutrox e pinho sol - minha vó ama aquele cheiro, eu já acho que cheira banheiro de rodoviária...e ao banheiro da minha avó.

Ontem estava conversando com um amigo querido sobre relacionamentos. Em um momento que ficamos em silêncio, tive um lapso e pensei no que me deixa desconfortável quanto aos namoros que já tive. Voltamos à conversa, esse amigo me desviou dos pensamentos e falamos bobagens. Na volta para casa fiquei lembrando desse momento em particular. Aí tive outro lapso: “o banheiro”. O banheiro foi o início de tudo. O banheiro foi a redenção, o ápice. No banheiro eu me sufocava com aqueles cheiros e desgostos. No banheiro eu pensava na minha pequena vida e em como ela seria. O banheiro parecia mágico quando eu tomava meus demorados – e interrompidos – banhos, mas era o local da prisão, do desconforto.

Eu amo e odeio aquele banheiro, como amo e odeio relacionamentos. Incrivelmente, minha mente só consegue entrar em um banheiro hoje – leia-se relacionamentos – pensando no escuro, no sufoco, nos cheiros, nos medos e na vontade desesperada de prender algo. É como a vontade de cagar que dá na rua que você tem de segurar. Aliás, me lembro que um dia no prezinho eu fiz cocô nas calças, na hora do lanchinho, na frente dos coleguinhas. Todos riam da minha cara. E eu não senti vergonha, senti alivio, senti prazer. Voltei com um bilhete para casa. Minha avó me bateu. Fiquei de castigo no banheiro, como de costume. Mas me sentia livre. Hoje, talvez inconscientemente eu compare aquele dia de liberdade com o abafo do banheiro, o cheiro colérico do ralo. O medo de estar presa, de ser presa, de ficar presa. O banheiro não me remete liberdade. Em casa tomo banho de porta aberta, tamanha a liberdade que espero para mim.


Talvez eu passe a vida inteira pensando “banheiro relacionamento”, pois o que mais tenho medo, além de escuro, é da sensação de estar sempre dentro daquele cubículo de um por um.

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