sábado, 4 de janeiro de 2020

(Re)significados


Há um tempo que não escrevo. Há tempos que as coisas se tornaram nebulosas em minha cabeça e tudo parece girar em torno de um único significado. No automático, a vida corre para o mesmo sentido todos os dias. Diariamente, desde a hora que acordo ao deitar, não vejo e não faço nada diferente do que costumava executar em anos passados. Pílulas para viver, mais algumas para dormir e outras para acordar. Cigarros, bebidas, café. Tudo para se manter alerta ou tentar mais uma vez, mais um dia.

Dia desses, enquanto fumava o cigarro da manhã – eles têm ficado muito intensos – milhares de pensamentos vinham à minha mente. E eu li a frase que vejo da minha sacada: “levanta a cabeça, princesa. Não se renda”. Eu a leio todos os dias. Virou um mantra, embora a analista me diga que o ideal, segundo Access, seja: “Tudo na vida vem a mim com facilidade, alegria e glória”. Devo repetir isso dez vezes pela manhã e outras dez antes de deitar. Diz que faz bem, que clareia as ideias e muda a vida. Ou a grande frase do Ho’ponopono: “Sinto muito. Me perdoe. Te amo. Sou grato”. Esse também transforma tudo. Será? Por que, depois de repetir tanto nada muda. Será que não estou fazendo de forma correta? Ou o destino está mudando e não estou percebendo?
Diante de tantos mantras e ideias fora dos meus pensamentos, eu tenho pensado em como a vida vem se apresentando. E essa frase no muro sujo do estacionamento quase desativado em frente ao meu andar do prédio me parece ter mais significados.

Hoje, vendo um filme sobre livros e literatura inglesa antiga, me deparei com questionamentos, aqueles velhos, que nunca saem de nossa cabeça. E lembrei-me da palavra significado. Qual mesmo o significado de tudo? Do que buscamos? Por que buscamos o que buscamos? Onde isso vai dar, afinal?
Levantar a cabeça e colocar as peças no jogo de novo vai me permitir voltar a jogar, mas já não sei mais pelo que jogar. Tudo o que tenho em minha mente hoje tem a ver com me manter sã. Com a sanidade em dia, a gente consegue ser mais, realizar mais. Contudo, quantas vezes eu disse para mim mesma coisas que me façam realmente agir. Todos os mantras tem a ver com ressignificar tudo, e não assumir responsabilidades por aquilo que realmente somos. Ser. Essa é a palavra que precisamos aprender.

No yoga, dizem que tudo o que procuramos está dentro de nós. Mas o que está dentro de mim? Será que eu conheço mesmo meus limites, meus anseios? Eu mal conheço meus medos!
Esses dias eu descobri que odeio velocidade: carros que andam depressa, rodovias me assustam, descer de bike em alta velocidade na Serra de Santos? Nem pensar! Outra coisa que odeio é que me toquem. Eu não sou de abraços, não gosto de tanta intimidade. As pessoas tem costume de abraças, beijar e fazer carinhos estranhos. Julgo o rapaz que pega a criança no colo, julgo o pai que parece estar afagando demais um juvenil. Eu julgo. Julgo quem beija criança na boca. Julgo molestadores e até julguei Bukowski, no livro “ Crônicas de um amor louco”, quando ele em sã consciência acreditou que uma criança estava interessada em seu órgão masculino reprodutor. E eu adoro Bukowski, mas naquele momento ele foi impuro, sujo e parei de ler o livro no mesmo momento.
Enquanto eu julgo, a conta do analista só fica mais cara. Fica mais longa. São traumas, medos e incertezas. E só a frase no muro sujo me diz muita coisa. Eu preciso ressignificar, levantar a cabeça, não me render. Voltar a viver e tentar esquecer coisas que não envolvam masturbação, cigarros, bebidas ou coisas do tipo quando recebo algum bloqueio. Bloqueio são comuns. Nem sei se tenho o pior deles. Tenho muitos, eu sei. Talvez a dificuldade de me relacionar afetivamente com pessoas. Talvez...

Espero que quem escreveu aquelas palavras no muro não tenha violado nenhuma conduta, ou ninguém. Eu moraria neste prédio para sempre, só para ler diariamente essa frase. Eu torço para que ninguém compre o estacionamento, que me parece ter atividades ilícitas durante a noite – nunca tem carros lá – e pinte o muro. Isso com certeza seria uma péssima notícia para um dia que eu olhar e não conseguir mais ler as palavras que me mostram o caminho para ressignificar.